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quinta-feira, 17 de setembro de 2015
terça-feira, 15 de setembro de 2015
Livro de Graça na Praça
“Antes
marido feio e laborioso que bonito e preguiçoso”
Gato
escaldado tem medo de água fria e Rosa Maria embora acreditasse que
águas passadas não movem moinhos, não meteria a mão na cumbuca
novamente. Aquele malandro do atraente mas arrogante Pedrão
arrastava-lhe a asa, não largava do seu pé depois de um namorico
complicado nos tempos de escola. Mas nada como um dia após o outro e
ele ficara para trás, iletrado, colecionando provérbios populares
no barzinho, vivendo às custas dos pais e ela se formara, era agora
a professorinha do lugarejo.
Pedrão
queria Rosa Maria que se contentava com o Hermínio do cartório.
Quem ama o feio bonito lhe parece e o fisicamente insonso funcionário
era tido como intelectual, fazia seus versos, discutia literatura com
ela, preenchia seu tempo vago. Iam tocando o burro da vida sem tombar
a carrocinha, num relacionamento chove não molha...
Mas
Pedrão não se conformava e insistia, não há rosas sem espinhos e
água mole em pedra dura tanto bate até que fura, raciocinava ele. O
problema era a tal de cultura do franzino rival, ginasial completo.
De grão em grão Pedrão enchera o papo de ditados, citações e os
usava para tentar impressionar sua desencantada musa, respostas pré
fabricadas que nela entravam por um ouvido e saiam pelo outro.
-
Pedrão, entenda, estou bem com o Hermínio, nosso caso passou,
acabou!
-
Nunca digas desta água não beberei, Rosinha...
-
Desista!
-
Quem espera sempre alcança...
A
necessidade é a mãe das invenções e Pedrão dava tratos à bola
para descobrir um meio de impressionar Rosa Maria, entrar no campo do
adversário, a cultura. O tempo passava e ele não queria dormir na
estação e perder o trem. Foi então que surgiu a grande chance:
-
Ei, Rei dos Provérbios, olhe isso aqui! Na sua medida! E o Zé do
Bar lhe estendeu o jornalzinho da comarca.
Na
última página leu algo que caiu como colírio em seus olhos: 9º
Concurso Nacional de Contos Livro de Graça na Praça da Academia
Mineira de Letras, cujo tema “deverá estar relacionado com
determinado ditado, provérbio ou locução popular, à escolha de
cada autor.”
-
Mamão com açúcar, está no papo -exclamou radiante- achei o
caminho das pedras! Araruta também tem seu dia de mingau!
E
devorou a notícia, não sem uma certa dificuldade:
-
Raios, é aí que a porca torce o rabo, muita burocracia, um tal de
envelope grande, envelope pequeno, correios, caracteres, laudas...
Vou tentar, cobra que não anda não engole sapo. O tempo é curto
mas antes tarde que nunca, vou perguntar sobre a tal de lauda lá na
tipografia.
-
Lauda é mais ou menos essa folha aqui preenchida, Pedrão, e aí diz
no máximo 4 laudas, pode até ser uma só.
-
Dos dois lados?
-
Aí já não sei...
Pedrão
já pensando em esticar as letras para encher linguiça, ponderava: é
concurso mineiro, turminha de mão fechada, não tem prêmio em
dinheiro mas a cavalo dado não se olha os dentes, quem ganha fica
conhecido e a propaganda é a alma do bom negócio. É o que me
interessa, mais vale um gosto do que dez vinténs e com fama de
intelectual ganho Rosa Maria, dois coelhos com uma só cajadada:
-
É ganhar a fama e deitar na cama!
-
Mas primeiro tem que ganhar, não ponha a carroça na frente dos
burros!
-
A formiga sabe a folha que corta, conselho se fosse bom era vendido,
não seja derrotista, passarinho que acompanha morcego amanhece de
cabeça para baixo! Não há provérbio que eu não conheça, já
está no papo!
-
E se ganhar vai é gastar dinheiro, leia aí embaixo, eles tiram o
corpo fora, não pagam nem cafezinho!
-
E você acha que vou lá? Basta ter meu nome nos jornais, é melhor
dormir sem ceia que acordar com dívidas!
E
com esforço incomum começou a colocar no papel toda sua pretensa
sabedoria, certo do direito que dá a César o que é de César e se
o rival passava por ser um grande perfume em pequeno frasco, ele,
fortão, ganhando o concurso seria um balde inteiro, cheio até a
borda!
Por
uma semana deixou até de jogar a sagrada sinuca vespertina, mas não
se faz omelete sem quebrar ovos, suspirou filosoficamente o já
autodenominado intelectual... Emendou uma série de provérbios sem
maiores recheios mas dando-lhes uma sequência, formando um continho
e depois de muito penar conseguiu preencher duas das tais laudas,
espaço 2, pediu para uma tia corrigir e se deu por satisfeito,
sentenciando: panela que muito
se mexe ou sai insosso ou salgado. Envelope grande, envelope
pequeno, pseudônimo de Trovador da Mantiqueira, conseguiu o carimbo
dos Correios no último minuto do derradeiro dia para entrega dos
originais. Depois sentou-se na indolência de seu dia a dia e esperou
ser comunicado da vitória, afinal o sol nasceu para todos e não
seria uma nuvenzinha chamada Hermínio que ofuscaria o grande
astro-rei Pedrão...
A
sorte é como o raio, nunca se sabe onde vai cair
e a ingenuidade
do texto
mesclada com
a petulância
de ganhador por antecipação que
no resumidíssimo
currículo avisara que não
compareceria à premiação,
acabou divertindo
a comissão julgadora, que
talvez cansada de ler
textos empolados, acabaram
por concordar que afinal aquela
obra sem qualquer
sofisticação vernácula preenchia o que dela
se esperava: distraia, divertia e sem dúvidas era um documento
representativo da
sabedoria
popular. E como besteira pouca é bobagem, acabaram dando ao Pedrão
o que era de César.
Telegrama
da Academia, notícias em jornais e até uma entrevista com foto de
terno, gravata e mão no queixo no semanário da comarca. Pedrão, o
laureado escritor, deitou-se na cama da fama e esperou que Rosa Maria
o procurasse, seria magnânimo com ela, afinal, perdoar é uma
virtude dos fortes e depois de algum charminho a aceitaria de volta.
Durante a gloriosa semana que se seguiu participou de algumas festas
e reuniões onde ela também se encontrava e só a cumprimentou com a
cabeça, respeitosamente e mantendo a distância. Queria que a jacaré
sentisse que a lagoa estava secando. Empinou o nariz e esperou,
esperou, mas ela aparentemente desconhecia a parte que deveria
cumprir no plano unilateral. Depois soube que ela estava usando seu
texto na escola, exaltando os alunos a desenvolverem a escrita e até
colocara sua entrevista no quadro de recortes.
Presunçoso,
acreditou entender o porquê dela não se aproximar: vergonha,
timidez, afinal, agora ele era um intelectual famoso. Resolveu dar
uma colher de chá para a professorinha que deveria estar sedenta de
beber de sua sabedoria, acercou-se dela na saída da escola e certo
do sucesso, foi direto:
-E
ai, Rosa Maria, andei pensando, acho que já é tempo de acertarmos
os ponteiros, vamos juntar os trapos?
Rosa
Maria boquiaberta com o que ouviu, esbugalhou os olhos, deu uma
sacudidela na cabeça e disparou:
-
Tá maluco Pedrão? Já falamos sobre isso, é assunto morto e
enterrado! Estou com o Hermínio, ele me faz companhia, tem boa
cultura, é um bom homem!
Pedrão,
desconsertado com a inesperada recusa, caindo do cavalo ainda
balbuciou:
-
Mas eu também escrevo, você gostou do meu conto, eu sei, tem até
usado na escola!
E
o “Rei dos Provérbios” e das rápidas respostas pré fabricadas,
ficou mudo ao assistir Rosa Maria parir ali mesmo, de bate-pronto,
uma inédita e definitiva pérola:
-
E por acaso para saborear um copo de leite é preciso gostar da vaca?
fim...
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