Lendo "Medida por medida"
(Edições Melhoramentos, 1958, tradução de Carlos Alberto Nunes) ato
III, cena I, encontrei um magistral diálogo com a vida que aqui
transcrevo para meditação dos leitores. Cenário: um quarto na prisão.
(os negritos são meus)
CLÁUDIO — Aos infelizes resta um só remédio: a esperança. Espero ainda viver, mas estou pronto para a morte.
DUQUE — Contas
certo com a morte; desse modo, tanto ela como a vida se tornarão mais
doces. Dialogai com a vida deste modo: Em te perdendo, perderei o que os
tolos, tão-somente, cuidam de preservar.
Só és um sopro submetido às influências mais variadas do tempo, que visitam a toda hora tua casa com aflições. És simplesmente um joguete da morte, pois só cuidas de evitá-la e não fazes outra coisa senão correr para ela.
Não
és nobre, pois quanto de conforto podes dar-nos, se nutre de baixezas;
nem valente podes chamar-te, ao menos, pois tens medo do dardo brando e
frágil de um gusano mesquinho. Teu melhor repouso é o sono, que invocas tão frequente; no entretanto, mostras pavor insano de tua morte, que outra coisa não é.
Tu não és tu, pois vives em milhões de grãos nascidos da poeira. Feliz, também não és, pois só cuidas de obter o que te falta, olvidando o que tens.
Não és constante, porque tua compleição, segundo as fases da lua, está sujeita a variações. Se
és rica, és pobre; porque tal como o asno vergado sob o peso de tanto
ouro, só levas tua riqueza uma jornada, vindo a morte, depois,
descarregar-te.
Amigos
não possuis, porque tuas próprias entranhas, que por mãe te reconhecem,
e até mesmo o que os rins verter costumam, o reumatismo, as úlceras e a
gota te amaldiçoam por não darem cabo logo de ti. Não tens nem
mocidade nem velhice, não sendo, por assim dizer, mais do que um sono
após a sesta, que sonha com ambas, porque a tão ditosa juventude
envelhece à força, apenas, de suplicar esmolas à impotente decrepitude.
Quando és velha e rica, careces de afeição, calor, beleza, que os bens te tornem gratos. Que
merece, pois, o nome de vida nisso tudo? Mais de mil mortes essa vida
oculta; no entanto temos tanto medo à morte, que é o que, no fim da
conta, tudo iguala.
CLÁUDIO — De todo o coração vos agradeço. Desejando viver, agora o vejo, só procurava a morte, e, nesse empenho afinal, acho a vida. Pois que venha!
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