Lí
finalmente a obra de Alejo Carpentier, ”O Reino deste mundo”. Razões
ideológicas ranhetas de minha parte haviam deixado desprezado na estante
este magnífico livro por anos. Carpentier,filho de europeus nascido em
Cuba abraçou com ardor a revolução cubana e seu padrinho Fidel. Vá
lá, mas não se pode negar o seu talento e principalmente o que Otto Maria
Carpeux afirma na apresentação do livro: nunca houve o rebaixamento de
sua arte para o nível de panfleto. Esse revolucionário autêntico também é
um grande artista.
O
desprezo por obras de escritores comprometidos ideologicamente,
principalmente na ditadura Castrista, castrense & castradora me havia
afastado do sabor forte, intenso que só a região caribenha tem e que
foi literalmente copiada e colada por Alejo em suas páginas e talvez só
ele, geneticamente europeu mas brotado, regado e se desenvolvido em Cuba
poderia entender, visualizar e compor o viver, os pensamentos, crenças,
tão díspares dos colonizadores e dos negros num romance onde, na história
do vizinho Haiti, o real é socado no pilão da racionalidade europeia
com as pimentas da fantasia negra daquelas ilhas mágicas. Obra única por
um autor único. Abaixo, uma pitada; os negritos são meus:
“...naquele momento,de volta à sua condição humana,o velho teve um momento de lucidez. Viveu, no espaço de tempo de uma batida de coração, os momentos capitais de sua vida...
...sentiu-se
velho, velho de séculos incontáveis. Um cansaço cósmico, de planeta que o
tempo fizera deserto de pedras, caía sobre seus ombros descarnados por
tantos golpes, suores e revoltas. Ti Noel gastara sua herança, e apesar de ter chegado à extrema miséria, deixava a mesma herança recebida.
...e
compreendia, agora, que o homem nunca sabe por que sofre e espera.
Sofre, espera e trabalha para pessoas que nunca conhecerá e que, por sua
vez, sofrerão, esperarão e trabalharão por outros que também não serão
felizes, pois o homem deseja uma felicidade muito além da porção que
lhe foi outorgada. Mas a grandeza do homem consiste precisamente em
querer melhorar a si mesmo, a impor-se Tarefas. No Reino dos Céus
não há grandeza a conquistar, pois lá toda hierarquia já está
estabelecida, a incógnita solucionada, o viver sem fim, a
impossibilidade do sacrifício, do repouso, do deleite. Por isso,
esmagado pelos sofrimentos e pelas Tarefas, belo na sua miséria, capaz
de amar em meio às calamidades, o homem poderá encontrar sua grandeza,
sua máxima medida, no Reino deste Mundo.
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