Reli “Nada de novo no front” ou "A Oeste nada de novo"
para os portugueses. Mais que um fantástico livro de guerra é um manual
de psicologia guerreira que apesar das várias interpretações anti
belicistas,ao contrário de provocar desagradáveis lembranças aos
veteranos,reaviva o insuperável sentimento de camaradagem construído
debaixo de fogo,impossível de se obter em tempos de paz entre os
imperfeitos homens com seu egoísmo e vaidades. Muitos colegas se dividem
entre a cautela de nunca demonstrar saudades dos anos de
guerra,premidos pelos fracos tempos atuais do politicamente correto e as
lembranças boas,fortes,viris que secretamente os deixam orgulhosos. Não
há nada a esconder,foram grandes momentos que nos deram alicerces
únicos. Como poucos gostam de se dedicar à leitura,mesmo de um livro tão
conhecido e recomendado,selecionei alguns trechos que certamente se
mostrarão familiares aos veteranos de guerra e os atrairão para essa
obra prima da literatura mundial. Lamentarão as tragédias pessoais,as
perdas,mas se recordarão de seus momentos puros de homens despidos da
falsa casca,da máscara social,mesmo porque os anos passarão e,por fim,pereceremos todos.
Instrução básica:
Tornamo-nos
desconfiados,impiedosos,vingativos e brutais – e isso foi bom,porque
eram precisamente estas as qualidades que nos faltavam. Se nos tivessem
mandado para as trincheiras sem esse período de formação,a maioria,sem
dúvida,teria enlouquecido. Mas,assim,estávamos preparados para o que nos
esperava.
...O
mais importante,porém,foi que despertou em nós uma solidariedade firme e
prática,que na linha de frente se transformou na melhor coisa que a
guerra produziu:a camaradagem.
O Front:
...o
front é um redemoinho sinistro. Quando se está em águas calmas,ainda
longe de seu centro,já se lhe sente a força de aspiração que nos
arrasta,lenta e implacavelmente,sem encontrar muita resistência.
O front não é nenhum quartel.
E principalmente o homem,o combatente:
…ao
primeiro ribombar das granadas,recua no passado milhares de anos. É o
instinto animal,que desperta em nós,que nos guia e nos protege.
Andamos
sem pensar em nada...de repente estamos deitados em uma depressão na
terra,enquanto acima de nós voam os estilhaços...mas a gente não se
lembra de ter ouvido as granadas chegarem,nem de ter pensado em se
deitar. Se confiássemos no pensamento,já seríamos um monte de carne
espalhada por todos os lados.
Dois anos de tiros e granadas...não é algo que se pode despir,como uma roupa.
É este acaso que nos torna indiferentes.
...Cada soldado fica vivo apenas por mil acasos
Tornamo-nos
animais selvagens. Não combatemos,nos defendemos da destruição. Sabemos
que não lançamos as granadas contra homens,mas contra a Morte,que nos
persegue,com mãos e capacetes.
Uma
raiva louca nos anima,não esperamos mais indefesos,impotentes,no
cadafalso,mas podemos destruir e matar,para nos salvarmos...
...ficamos
estendidos,ofegantes,descansando,sem falar. Nossa exaustão é tanta
que,apesar da terrível fome,nem pensamos nos enlatados. Só pouco a pouco
vamos nos transformando novamente em algo parecido com seres humanos.
Só
uma coisa nos conforta:ver que há outros mais fracos,mais abatidos,mais
desamparados,que nos olham com os olhos esbugalhados,como se fôssemos
deuses que muitas vezes conseguiram escapar da morte.
Exatamente
como nos transformamos em animais quando vamos para o front,porque é a
única maneira de nos salvarmos,nos tornamos humoristas e vagabundos
quando estamos descansando.
Em parte,já estamos acostumados:a guerra é uma maneira de morrer,como o câncer e a tuberculose,como a gripe e a disenteria.
Somos soldados,e só depois,de uma maneira estranha,quase envergonhada,é que somos indivíduos.
Há
entre nós uma grande fraternidade,algo do companheirismo das canções do
povo,um pouco do sentimento de solidariedade dos prisioneiros e da
desesperada lealdade que existe entre os condenados à morte
...Se
quiséssemos atribuir um valor a isso,numa classificação,teríamos que
dizer que é ao mesmo tempo heroico e banal. Mas quem perde tempo com
coisas desse tipo?
A
vida,aqui nas fronteiras da morte,assume um aspecto de grande
simplicidade,se limita ao essencial,ao que é estritamente
necessário;todo o resto é envolvido por um sono profundo.
Despertou
em nós o sentimento de companheirismo,para que pudéssemos escapar ao
espectro da solidão;emprestou-nos a indiferença dos selvagens,a fim de
que,apesar de tudo,sentíssemos a cada momento o elemento positivo,e o
armazenássemos contra o ataque do Nada.
Ressuscitarão
os dias,as semanas,os anos de trincheira,e nossos companheiros mortos
se levantarão para marchar conosco;nossas mentes estarão lúcidas,teremos
um objetivo,e assim marcharemos,com os companheiros mortos ao nosso
lado,os anos de front como retaguarda. Contra quem? Contra quem
marcharemos?
E as pessoas não nos compreenderão
Seremos
inúteis até para nós mesmos. Envelheceremos,alguns se adaptarão,outros
simplesmente se resignarão e a maioria ficará desorientada;os anos
passarão e,por fim,pereceremos todos.
Levanto-me.
Estou
muito tranquilo. Que venham os meses e os anos:não conseguirão tirar
mais nada de mim,não podem me tirar mais nada. Estou tão só e sem
esperança que posso enfrentá-los sem medo. A vida,que me arrastou por
todos estes anos,eu ainda a tenho nas mãos e nos olhos. Se a venci,não
sei. Mas enquanto existir dentro de mim – queira ou não esta força que
em mim reside e que se chama Eu – ela procurará seu próprio caminho.
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