Os
homens no decorrer de suas vidas costumam fugir de indagações que
perturbam, refugiando-se nas mais diversas distrações e vícios -sempre
fugazes como a própria vida- ou comodamente aconchegando-se covarde e
irracionalmente no colo anestésico das religiões e de um suposto Deus.
Uns poucos privilegiados em inteligência enfrentam a transitoriedade da
existência retirando-se de cena e tornando-se observadores do Teatro
Vida: os filósofos. Se muitos são difíceis de serem lidos e entendidos
pelas nossas mentes normais, alguns são mais diretos em suas observações
e conclusões mas são evitados por desconhecimento e preconceito,
perdendo-se incríveis fontes de conhecimento que muito ajudariam àqueles
que resolvem enfrentar as interrogações da existência humana. São
pratos de que não nos servimos se não nos oferecerem. Saboreie os
trechos claros e diretos de Schopenhauer abaixo e volte ao arroz e
feijão das ilusões se conseguir... (os negritos são meus)
(...)Toda a nossa existência é fundamentada tão-somente no presente — no fugaz presente. Deste
modo, tem de tomar a forma de um constante movimento, sem que jamais
haja qualquer possibilidade de se encontrar o descanso pelo qual estamos
sempre lutando. É o mesmo que um homem correndo ladeira abaixo: cairia
se tentasse parar, e apenas continuando a correr consegue manter-se
sobre suas pernas; como um polo equilibrado na ponta do dedo, ou como um
planeta, o qual cairia no sol se cessasse com seu percurso.Nossa existência é marcada pelo desassossego.
Num
mundo como este, onde nada é estável e nada perdura, mas é arremessado
em um incansável turbilhão de mudanças, onde tudo se apressa, voa, e
mantém-se em equilíbrio avançando e movendo-se continuamente, como um
acrobata em uma corda — em tal mundo, a felicidade é inconcebível. Como
poderia haver onde, como Platão diz, tornar-se continuamente e nunca ser é
a única forma de existência? Primeiramente, nenhum homem é feliz; luta
sua vida toda em busca de uma felicidade imaginária, a qual raramente
alcança, e, quando alcança, é apenas para sua desilusão; e, via de
regra, no fim, é um náufrago, chegando ao porto com mastros e velas
faltando. Então dá no mesmo se foi feliz ou infeliz, pois sua vida nunca foi mais que um presente sempre passageiro, que agora já acabou.
(...)As
cenas de nossa vida são como imagens em um mosaico tosco; vistas de
perto, não produzem efeitos — devem ser vistas à distância para ser
possível discernir sua beleza.
Assim, conquistar algo que desejamos significa descobrir quão vazio e
inútil este algo é; estamos sempre vivendo na expectativa de coisas
melhores, enquanto, ao mesmo tempo, comumente nos arrependemos e
desejamos aquilo que pertence ao passado. Aceitamos
o presente como algo que é apenas temporário e o consideramos como um
meio para atingir nosso objetivo. Deste modo, se olharem para trás no
fim de suas vidas, a maior parte das pessoas perceberá que viveram-nas ad interim [provisoriamente]:
ficarão surpresas ao descobrir que aquilo que deixaram passar
despercebido e sem proveito era precisamente sua vida — isto é, a vida
na expectativa da qual passaram todo o seu tempo. Então se pode dizer
que o homem, via de regra, é enganado pela esperança até dançar nos
braços da morte!
Novamente,
há a insaciabilidade de cada vontade individual; toda vez que é
satisfeita um novo desejo é engendrado, e não há fim para seus desejos
eternamente insaciáveis.
(...)A vida apresenta-se principalmente como uma tarefa, isto é, de subsistir de gagner sa vie [para
ganhar a vida]. Se for cumprida, a vida torna-se um fardo, e então vem a
segunda tarefa de fazer algo com aquilo que foi conquistado — a fim de
espantar o tédio, que, como uma ave de rapina, paira sobre nós, pronto
para atacar sempre que vê a vida livre da necessidade.
A primeira tarefa é conquistar algo; a segunda é banir o sentimento de que algo foi conquistado, do contrário torna-se um fardo.
Está
suficientemente claro que a vida humana deve ser algum tipo de erro,
com base no fato de que o homem é uma combinação de necessidades
difíceis de satisfazer; ademais, se for satisfeito, tudo que obtém é um
estado de ausência de dor, no qual nada resta senão seu abandono ao
tédio. Essa é uma prova precisa de que a existência em si mesma não tem
valor, visto que o tédio é meramente o sentimento do vazio da
existência. Se, por exemplo, a vida — o desejo pelo qual se constitui
nosso ser — possuísse qualquer valor real e positivo, o tédio não
existiria: a própria existência em si nos satisfaria, e não desejaríamos
nada. Mas nossa existência não é uma coisa agradável a não ser que
estejamos em busca de algo; então a distância e os obstáculos a serem
superados representam nossa meta como algo que nos satisfará — uma
ilusão que desvanece assim que o objetivo é atingido; ou quando estamos
engajados em algo que é de natureza puramente intelectual — quando nos
distanciamos do mundo a fim de podermos observá-lo pelo lado de fora,
como espectadores de um teatro.
Mesmo o prazer sensual em si não significa nada além de um esforço
contínuo, o qual cessa tão logo quanto seu objetivo é alcançado. Sempre
que não estivermos ocupados em algum desses modos, mas jogados na
existência em si, nos confrontamos com seu vazio e futilidade; e isso é o
que denominamos tédio. O inato e inextirpável anseio pelo que é incomum
demonstra quão gratos somos pela interrupção do tedioso curso natural
das coisas. Mesmo a pompa e o esplendor dos ricos em seus castelos
imponentes, no fundo, não passam de uma tentativa fútil de escapar da
essência existencial, a miséria.
(...)O homem é apenas um fenômeno, não a coisa-em-si — digo: o homem não é [grego: ontos on]; isso se comprova pelo fato de que a morte é uma necessidade.
E
quão diferente o começo de nossas vidas é do seu fim! O primeiro é
feito de ilusões de esperança e divertimento sensual, enquanto o último é
perseguido pela decadência corporal e odor de morte. O
caminho que divide ambas, no que concerne nosso bem-estar e deleite da
vida, é a bancarrota; os sonhos da infância, os prazeres da juventude,
os problemas da meia-idade, a enfermidade e miséria frequente da
velhice, as agonias de nossa última enfermidade e, finalmente, a luta
com a morte — tudo isso não faz parecer que a existência é um erro cujas
consequências estão se tornando gradualmente mais e mais óbvias?
(...)Quanta
tolice há no homem que se arrepende e lamenta por não ter aproveitado
oportunidades passadas, as quais poderiam ter-lhe assegurado esta ou
aquela felicidade ou prazer! O que resta desses agora? Apenas o fantasma
de uma lembrança! E é o mesmo com tudo aquilo que faz parte de nossa
sorte. De modo que a forma do tempo, em si, e tudo quanto é baseado nisso, é um modo claro de provar a nós a vacuidade de todos deleites terrenos.
(...)A ideia de que não somos nada senão um fenômeno, em oposição à coisa-em-si, é confirmada, exemplificada e clarificada pelo fato de que a conditio sine qua nonde
nossa existência é um contínuo fluxo de descarto e aquisição de matéria
que, como nutrição, é uma constante necessidade. De modo que nos
assemelhamos a fenômenos como fumaça, fogo ou um jato de água, todos os
quais desvanecem ou cessam diretamente se não houver suprimento de
matéria. Pode ser dito, então, que a vontade de viver apresenta-se na forma de um fenômeno puro que termina em nada. Esse nada, entretanto, juntamente com o fenômeno, permanece dentro do limite da vontade de viver e são baseados nesse. Admito que isso é um pouco obscuro.
Se
tentarmos obter uma perspectiva geral da humanidade num relance,
constataremos que em todo lugar há uma constante e grandiosa luta pela
vida e existência; que as forças mentais e físicas são exploradas ao
limite; que há ameaças, perigos e aflições de todo gênero.
Considerando
o preço pago por isto tudo — existência e a própria vida —, veremos que
houve um intervalo quando a existência era livre de sofrimento, um
intervalo que, entretanto, foi imediatamente sucedido pelo tédio, o
qual, por sua vez, foi rapidamente sucedido por novos anseios.
O tédio ser imediatamente sucedido por novos anseios é um fato também verdadeiro à mais sábia ordem de animais, pois a vida não tem valor verdadeiro e genuíno em
si mesma, mas é mantida em movimento por meio de meras necessidades e
ilusões. Tão logo quanto não houver necessidades e ilusões tornamo-nos
conscientes da absoluta futilidade e vacuidade da existência.(...)
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